Quem é da chamada “Zona do Pinhal” (Sardoal, Vila de Rei, Sertã, Oleiros…) está familiarizado com este vegetal que proporciona agradáveis saladas crudívoras. No meu caso, foi através da família da minha esposa, oriunda da citada região, que comecei a apreciar este legume tão salutar e que agora não dispenso. Em traços muito simples, diremos que se trata de uma espécie de alface-brava que é finamente cortada, a que se mistura puré de batata (ou feijão, ou arroz cozidos), cebola e um fio de azeite. É uma salada de primavera que combina muito bem com todos os pratos.
Estamos habituados à classificação científica rigorosa do reino vegetal iniciada por Lineu, embora surjam, por vezes, botânicos discordantes em relação às nomenclaturas. No caso presente, sabe-se que o almeirão pertence ao género Cichorium e à família das Asteraceae, sendo referido em todo o lado como Cichorium intybus. O problema é que esta designação é também dada ao almeirão silvestre, com folhas mais escuras e compridas que cresce à beira dos caminhos, à chicória, de folhas mais recortadas, à endívia, de folhas ovaladas de tom verde pálido, que se desenvolvem subterraneamente, à escarola, ao radicchio de folhas avermelhadas e à chicória (variedade sativum) de cuja raiz se prepara um sucedâneo de café. São, de facto, variedades diferentes da mesma planta. Depois de alguma investigação concluí, salvo melhor opinião, que o almeirão que irei descrever e caracterizar será o Cichorium intybus var. foliosum.
Todas estas espécies são nativas do continente europeu e possuem muitos nomes populares. Para termos uma ideia da sua profusão e da confusão daí reinante, diremos que, só em castelhano, o almeirão tem mais de 50 designações, dependendo das respetivas regiões.
Adiante! O nosso almeirão é uma herbácea perene com folhas basais lanceoladas e levemente dentadas que se parecem com as da alface pela sua cor verde amarelada, mas muito mais rijas e robustas. À medida que se vão cortando as folhas, cresce nova folhagem, o que confere à planta uma produtividade ímpar. A partir da lua de maio o almeirão espiga e deixa de propiciar aproveitamento culinário. Surge então uma haste estriada que pode atingir um metro de altura com folhas caulinares mais pequenas e esparsas, algo leitosas (latex). Nas axilas das folhas nascem capítulos florais de azul intenso, ligulados, com duas filas de pequenas brácteas triangulares. As flores fecham ao pôr-do-sol e reabrem na manhã seguinte, à semelhança de outros vegetais (veja-se, por exemplo, o caso das onagras no meu livro “As Plantas, Nossas Irmãs”, pág. 144 e 145). A raiz é cónica, grossa e pivotante, o que requer solos leves e bem drenados. Os frutos são aquénios encimados por uma coroa de pelos curtos.
As folhas do almeirão, cruas, cozidas ou marinadas constituem um alimento muito nutritivo e saudável. São de baixas calorias e de ação antioxidante que retarda o envelhecimento. Contêm substâncias amargas (intibina), inulina, provitamina A, vitamina C, vitaminas do complexo B, cálcio, potássio, fósforo, magnésio, sódio e ferro.
São muitas as propriedades do almeirão, bem como de todos os “cichórios”: digestivo, colerético (favorece a secreção da bílis), ativante da circulação sanguínea, laxante, vermífugo, diurético, desintoxicante, sedante e antigotoso.
Algumas das virtudes curativas do almeirão eram já conhecidas dos romanos que o utilizavam para tratar distúrbios do fígado. É especialmente indicado para combater a gastroenterite, a anemia, a diabetes, o artritismo, limpar os rins, estimular o baço, corrigir problemas de visão, fortalecer os ossos, os dentes e o cabelo e ativar a função digestiva.
O Dr. Oliveira Feijão na sua “Medicina pelas Plantas” recomenda um xarope confecionado com suco de almeirão e açúcar pilé em partes iguais, fervidos em lume brando, como laxante para se tomar uma a quatro colheres de chá, em jejum.
Por sua vez, o Dr. Pamplona Roger em “A Saúde pelas Plantas Medicinais” prescreve o suco fresco para o fastio e a infusão de 30 g de folhas e raízes num litro de água, para tomar duas chávenas antes das refeições, como simples aperitivo ou depois das principais comidas, como digestivo.
Acabo, no entanto, como comecei. Para mim, o almeirão tem mais interesse na culinária pelo que, firmemente, incentivo o seu uso, tanto mais que, como dizia Hipócrates, o Pai da Medicina: “que o teu medicamento seja o teu alimento e que o teu alimento seja o teu medicamento!”.
Uma precaução final: os almeirões cultivados, incluindo as escarolas, as endívias e as chicórias, são muito menos amargos que os almeirões silvestres, o que não quer dizer que sejam mais saudáveis.
Miguel Boieiro
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